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Penso que seria a altura de continuar o trabalho que disse que iria desenvolver. Mas hoje não me apetece e não consigo. Isto de se escrever num blog dá para fácilmente ter vontade de desatar a escrever para o ar. É de certo modo mais ou menos perigoso, como uma demência que usa o gerûndio e se vai instalando. Abrindo largas ao devaneio do que nem se sabe bem mas vai tomando forma. Talvez que seja mesmo um aviso, que lá por não se usar papel e não se sacrificarem árvores para servirem de suporte, ao não dizer nada que valha a pena, que mesmo assim se deve acautelar o extravasar. Bem sei que escrevo para o ar, e que o ar é um composto, complexo como convém aos sempre iniciados na vida que vão concluindo que nada se deve concluir. Bem vistas as coisas, passamos muito tempo a dormir mas ainda passamos mais tempo a dizer sei lá o quê. Deveria haver doutoramentos e mestrados bem pagos para tão divulgada actividade. “Ser o próprio é a Arte mais difícil” escreveu Almada Negreiros. Lembro-me muitas vezes disso, de facto acabamos por tender para nós próprios, em aproximações que resvalam no sabe-se lá porquê. A escola deve ensinar exactamente o que na prática dos gestos nos pudesse servir para nos encontrarmos no particular. Hoje percebi, num movimento ingénuo de me dirigir a um museu e deixar alguns trabalhos na loja para vender, que os nossos museus deveriam em vez de canecas e lenços, ter artistas contemporâneos a dialogar com o espólio presente. Os museus ganhariam vida e seriam lugares com vida de pensamento, acto e omissão. Tornar-se-íam tão pecaminosos quanto o estar vivo e assim talvez houvesse vontade presente e não só do passado.
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Os patos trazem muitas vezes, no canto do bico, pedaços de relva; de resto um pato tem sempre uma boa apresentação. Tenho uma pata que gosta de ficar por perto, com quem convivi dias seguidos quando fui desenhar junto do lago. Aproxima-se, deita-se e descansa. Tem os olhos muito profundos, mais escuros, bonitos. O olhar dos patos é muito expressivo. Todos são convocados para o banquete, se houver o que comer; a minha companheira, sobre o verde, já tentou vir mordiscar tubos de tinta mas sobretudo visita-me, num gesto independente. Tem um ar delicadamente interessado, sentimo-nos bem perto uma da outra. No fim, a água do frasco em que lavo os pincéis fica da mesma cor pardacenta da água do lago. (no desenho, ela é a que espreita com a máscara vermelha. )
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Assim à maneira de continuação, queria fugir um pouco às exposicões e pensar apenas a ideia de friso.
Vi num museu, pequenas taças cerâmicas de um periodo algures na pré–história. Lado a lado, nas prateleiras expostas, pela escala e pela frágil espessura, estes pequenos contentores, parecem pela forma, uma sequência de pequenas orelhas viradas para o céu. Mas a presença que evoca o corpo humano está presente na mesma matéria de que são feitas as peças e quem as criou. A forma é feita por contacto directo, barro contra barro, sendo o molde, a concha da mão; mais arredondada por ganhar um eixo e rodar sobre ela própria ao ser feita, aperfeiçoada pelo movimento de rotação.
Os frisos percorrem a superficie segundo uma sequência de formas abstractas que descrevem um circulo que também narra um ciclo. A repetição do gesto gravado, conta e arrasta a contagem, numa narrativa. Este ciclo, de quem senão o criador, sabe o ponto de origem, segue a linha curva da superficie da taça, até se completar ao fazer o encontro entre o principio e o fim. Mas quando se encerra o ciclo, perdendo-se o ponto de origem, perde-se igualmente o ponto final, de passagem ou de união; fica representado um outro tempo, maior que um ciclo, embora consciente dele.O friso transcende a representação de um ciclo inscrito na matéria do barro e passa a ser representação de infinito.
(continua)
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Esta exposição, tendo como ponto de partida as Songs of innocence & Songs of experience de William Blake, foi apresentada na bedeteca de Lisboa em 1999. 8 pinturas com diferentes frisos impressos em cartão e 6 desenhos com frisos ao alto dividindo o espaço ocupado por pares de animais que se complementam. Estava presente a ideia de iluminura, num encontro entre dois universos que assim queria deixar que se tocassem: Os livros iluminados da Idade Média, que ainda me deslumbram, e o trabalho de William Blake de quem sei sempre menos do que seria justo saber, mas de quem em cada vez que leio e vejo, sinto mais profundamente a tal ideia de verdade que assiste a quem honestamente consegue ser e dar a conhecer o seu conhecimento.Talvez seja um bom exemplo a imagem do cérebro que funciona como casulo, onde o pensamento em forma de larva sonha a borboleta. Sobre o William Blake não posso e não devo dizer nada. Acabaria por ser de menos e inexacto. Posso dizer que o facto de a escrita se apresentar na forma de rima fez despoletar o ritmo dos frisos e que a aceitação dos contrários como necessários à existência das partes que só assim existem, por relação, está na base de querer trabalhar a partir destes textos. No catálogo escrevi: “Songs of Innocence & Songs of Experience de William Blake, foi de onde parti para este trabalho. As imagens que fiz não querem ser ilustração dos escritos de W.B., embora tenham ficado presas a um sentido e dependentes de uma leitura. Não as vejo também como pinturas ou desenhos, sinto-as como imagens-iluminuras. A inocência é um campo generoso e aberto à experiência. A experiência é o nome que se dá ao processo enquanto decorre e o que resulta dele”
(continua)
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Um blog é um aparelho.
Sinceramente gosto da palavra aparelho. Embora tenha em si o conteúdo artificioso, onde se adivinham mecanismos e manivelas tem também, a rima fácil com escaravelho. O que quero com as palavras nunca ou raramente se mantém numa direcção. Provávelmente haverá muitas pessoas com este tipo de relação com as palavras. Talvez que ao querer levar-me tão sériamente no que quero tão sériamente dizer, o discurso vá para um plano tão afastado do que é a vida que depois tenha de me dispersar para me parecer que o que digo está num plano mais afim às variações que nos assaltam. Escrevo e sei que sermos assaltados, ou seja lá o que for que possa dizer, vai levar a outro lugar quem se der ao trabalho de ler isto. Mas isto não me deve afastar do que me pareceu importante dizer acerca das minhas reflexões acerca do que é um blog.
Um blog é uma espécie de tear onde cada passagem permite que se acrescentem e juntem palavras e imagens. Dele resulta um acumular de registos que seguem a ordem do tempo e ganham a forma comprida de um calendário de parede vertical.
Quem o visita pode escolher a velocidade com que o padrão formado neste tecido pode passar, pode ser vertiginosa, como quem vai de bicicleta numa descida a deixar para trás o enevoado do que se vai adivinhando e evitávelmente substituindo.
Enquanto vai saindo do tear, o pano tem a forma de uma passadeira que desde a porta de entrada da casa avança pelo corredor. Mas de cada vez que se acrescenta encontra-se à entrada. Como se fosse feito de pequenos tapetes que nunca passam a porta por si próprios e precisam de mais fios que os empurrem.
Poderia parecer uma carta. Eu gosto de cartas, uma carta caligraficamente escrita, ou simplesmente uma carta redigida e posta num envelope com um selo e destinatário. Mas neste caso a carta parece escrita em golfadas, do fim para o princípio.
As palavras manuscritas ficam paradas no tempo presente, dentro de um envelope e seguem em viagem com encontro incerto mas marcado com o seu destinatário.
Pode parecer que num blog acontece o que por vezes acontece com algumas cartas, atiradas com tal inclinação que silenciosamente regressam ao remetente.
Mas aqui as palavras esperam sem suspenderem o tempo nem sairem do lugar. Se se mantém a intenção de encontro, ele é tranquilamente incerto e sabe que é dispensável.
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Bertha a ler, 1930, colagem, 23 x28,5, Joséf Papirousa
Esta entrevista ao espelho, foi feita na altura da exposição(2006), pensei então inclui-la no livro mas acabei por a deixar de fora. Agora penso que pode ser um meio de dar a conhecer mais concisamente o que representou este trabalho.
WJM(entrevistador)
MJW(entrevistado)
WJM- Na introdução do livro, Colecção Particular de A, existe um processo de personificação da Colecção. Ela é apresentada enquanto um corpo.
MJW- Todos sabemos o que é um corpo, apesar de vivermos a experiência diferente de ser um deles. É este aspecto suficientemente vago e ao mesmo tempo reconhecível que pretendo. Este é o lugar ideal para uma história. Tal como nas fábulas, já que falou em personificação, procuro fugir do tempo a que habitualmente estamos presos, para um tempo que se define narrando-se, pela acção.
WJM- Mas o corpo é considerado por si, morto.
MJW- A morte aqui serve para definir a relação que tenho com a colecção. Talvez tivesse sido mais exacto dizer que não lhe reconheci vida. Esta morte não decompõe este corpo porque ele não é orgânico. Chamo-lhe particular, por ser responsável pelo modo como o aglotinei, por o ter comigo mas também por ele ser inorgânico. Ou mais correctamente por não ter o sopro de vida, a acção. Também pode ser visto como um corpo morto, um atrapalho, porque também é isso.
WJM-Essa ideia de um corpo construído por colagem de partes, provenientes supostamente de outros corpos, parece um pouco a criação do Frankenstein.
MJW-Penso que o que me interessou se prende com os limites da autoria e com a definição de individualidade. O processo de conhecer é experiência directa e pessoal mas também pedaços de conhecimento que outros experimentaram e que se transformaram em bens comuns, adquiridos. O nosso próprio corpo é constituído por heranças genéticas, pedaços de outros que nos definem em forma e potencialidade. Se pensarmos que nos alimentamos de vida, desde a couve à água, ou mais longinquamente da terra, que já foi corpo do pardal ou do Sr. que não chegámos a conhecer mas que nos alimenta, dificilmente nos individuamos. Em limite, somos todos monstros simpáticos, de autoria vaga. Apenas a acção nos parece pertencer. Talvez que por isso tenhamos esta tendência para o acto criador. Manipulamos o que existe e apenas o gesto nos pertence. Depois os gestos têm consequências, somos responsáveis. Mas será legitimo dizermos que o que concretizamos com o gesto é nosso.
WJM-Parto então do princípio que embora responsável pela colecção, põe em causa a legitimidade de ela lhe pertencer e portanto a ideia é dar a conhecer, torná-la pública. Gostaria que clarificasse, se possivel, o que pensa acerca de uma sala de exposições “normal”.
MJW-Existem trabalhos que têm como finalidade essa celebração. Acredito que uma exposição assim, poderá ser entendida como uma experiência em simultâneo. Presença fisica, num determinado tempo e lugar, das obras de arte e de quem as assiste. No meu caso, nesta exposição, eu não quero o limite do tempo.
WJM-Mas refere-se à “exposição em decomposição”, como o lugar em que habitualmente se trincha o corpo em pedaços vendáveis. Qual é a sua relação com a venda do que chama pedaços?
MJW-Talvez deva dizer primeiro que me reporto sempre à ideia de corpo. Ou seja, eu acredito que existem exposições que formam um corpo e que não deveriam ser vendidas a retalho. Depois existem outras exposições compostas por peças autónomas que circunstancialmente se juntam na exposição. Neste caso não existe desmenbramento, porque nunca existiu um corpo. Quanto ao aspecto de venda, já sem o problema de ser ou não ser a retalho, surgem outros problemas.Como escreveu Wundart (um dos artistas da Colecção), no seu caderno Exercícios para comunicar: “O trabalho é o gesto ou o produto final? Não consigo encontrar resposta. Mas gostaria de ser pago pelo gesto e não pelo produto; então o produto seria riqueza, bem comum”
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Para mim uma exposição é uma celebração, um encontro final entre as partes que foram sendo construídas, para exactamente formarem uma unidade aberta a quem a queira experienciar. Tenho trabalhado sempre relacionando texto e imagem. É assim que para mim se forma o sentido. Nem só imagem, nem só palavra. Por isto, sinto necessidade de dar a conhecer as palavras que acompanharam as exposições agora com presença virtual, no espaço GALERIA do site www.quartodejade.com

Os peixes beijadores, técnica mista sobre madeira, 170 x 100, Martinho Wo
É decerto uma oportunidade para pensar acerca do que tenho vindo a fazer, um balanço que talvez ajude a clarificar a casmurrice que me tem mantido neste querer volta e meia concretizar uma exposição. Exemplo desta necessidade foi a Colecção particular de A. Nesta exposição de 2006, na Galeria Monumental, reuni as minhas dúvidas e trabalhos, sob a questão de identidade, herança histórica-cultural, herança afectiva e finalmente genética. Como enredo a suportar a suposta colecção, segue o texto que então acompanhava a exposição e que abre o livro, Colecção Particular de A, lançado na inauguração.
Estava assim aberto o espaço, para apresentar as obras dos artistas ficcionados, Joséf Papirousa (1909-1930), Marie Thérèse (1921-1949), Wundart-1984), J.M. Walker (-1993), Denise Asbrock (-1998), Martinho Wo (-2000), Francesco Caporesi (-1972) e Maurice Jerôme Wallé (-1978). Através das pequenas biografias que acompanham as obras de cada autor, somam-se diferentes partes do corpo representado pela Colecção. E assim acrescento uma das Introduções: que A escrevera:
(continua)