Maria João Worm


Project Fountain#4
30 Setembro 2010, 5:38 pm
Filed under: Project Fountain | Etiquetas: , ,

Neste número 4 da revista é traduzido parte de um texto inserido num livro de viagens, aliás esta edição toda ela está relacionada com registos ligados a experiências relacionadas com viagens e diários. 

Da varanda tenho uma piscina lá em baixo, não é muito grande mas a esta hora da noite é de um azul iluminado que tem verde; não muito mas tem,  e as luzes debaixo de água fazem pestanas de luz. São como olhos iluminados debaixo de água.

As varandas têm grades horizontais para não parecerem grades. Servem para proteger da altura a que estamos perante esta luz que parece dizer, sem pestanejar, “mergulhar”.

O rio à frente é negro, sem olhos que nos chamem e nos queiram encandear. O rio nisso é sincero, profundamente verdadeiro, assustador.

Gosto de viajar para me ter e me sentir fora do hábito. É mesmo assim. Percebi que a minha estranheza com o conhecimento se prende nas águas profundas, onde está a indefinição. Aquilo que não se explica nem se tenta explicar porque é inteiro na irresolução.

Tudo o mais são pedaços, como nas fotografias. Ninguém pode enquadrar o tamanho inteiro do rio. Mesmo se conseguissemos seria a superficie.

Tenho entrado em várias igrejas. Pelo conforto de entrar num espaço fechado e fresco mas também pelo que nele se projecta. A forma em cruz da planta das igrejas românicas é simples, mesmo quando parece ser a união entre a linha vertical e a horizontal. Ligar o céu e a terra numa construcção fisica. Se entras nele és o ponto de encontro. Este é o meu lugar, o lado mais fisico.

Vi imagens de rara beleza e sei que a sua beleza está em terem sido construídas por pessoas que conseguiram transmitir o amor. O Santo António a segurar com cuidado e firmeza o menino, foi feito por alguém que se não teve um amor menino, filho ou outro, soube ver nos contemporâneos isso acontecer. Nada espiritual se acrescenta a isto. Isto em si é espiritualmente suficiente para unir o céu e a terra e atravessar o tempo.

Não posso, trabalho nos meus limites e já nem quero ser mais inteligente, quero apenas ser eu, com esta verdade em que se perde o pé. Venham as dúvidas. Venham conforme for acontecendo a vida que no fundo se perder o pé, tenho o esforço da braçada que vai fazer o coração bater mais depressa. Será possível que isto seja a minha paz? Neste momento parece mesmo verdadeiro.

Estou sózinha na mesma, com as pessoas continuo a fazer enquadramentos, como no desenho à vista. Um diálogo acertado em que gastamos o tempo ao mesmo tempo. Estou perante, nem adiante nem atrasada. Dentro do que posso vejo e deixo-me atravessar filtrando o que vejo. Escolho pouca coisa mas escolho. A água cega e estrangeirada da piscina provoca-me tonturas e convida-me ao suicidio mas a morte lenta do rio, com a água negra é para onde vou, já estando lá agora.

É para sempre, muito antes e depois de mim e encontro nela o meu lugar.

(Albertha S., 2006 viagem ao longo do rio Douro em Portugal, tradução de Mathilde Ferreira)

Advertisement

Deixe um Comentário so far
Deixe um comentário



Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s



%d bloggers gostam disto: