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Buçaco, 1843-Casa de repouso, Emanuella E. ( texto transcrito de um postal)
Minha querida burguesinha,
Talvez que não seja mesmo nada disto o que eu deveria não pensar.
O problema é esta consciência intermitente de se estar perante o paradoxo absurdo de amar a beleza das palavras e todo o ornamento sentimental que mente com os dentes todos e nos deixa abismados. Só queremos ir viver para a terra deste artificio. E no fundo é sempre um abismo escuro que devolve o eco como um poço. Mas se na superficie lhe chega a tocar a luz da lua, pois então lá vai por ali fora e chega ao céu, na tentativa poética de chegar ao impossível. O que é que dá nas cabeças para serem tão tontas. Esvoaçam entre abismos que se fascinam e enquanto isso a vida passa tão simples. Tão séria quanto uma ramela pode ser e provém do lugar das lágrimas. Aparelho, função, análise, trabalho. E claro, conjugação de verbos porque estar vivo requer a acção que em si já é. Esta inquietação que não descansa, ondula e vai para a forma, dá-lhe tiques e modulações, pinta ou gesticula sem tinta. Discorre em directo, e sabe que à arte só lá chega quem depura, rasura, desespera com classe. Que a arte é coisa que deriva, que conversa com o que existe, com vagabundos de luxo, cigarros e tonterias. Esta estranha fome de ilusão não se sacia, distrai-se. Abisma-se no infinito do mundo e volta para casa. (sr doutor, escrevi isto e sinto-me melhorzinha embora nada disto seja encantador, não envolve a toma de nada quimico, nem álcool, nem droga. Talvez apenas ressaca, ressaca de se estar absurdamente aburguesadamente vivo)
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