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Amar
Lembro-me, já sem ter outra prova senão perguntar-te e tu concordares.
Lembras-te?
Foi encantador termos encontrado uma procissão de caracóis em Roma.
No Egipto tudo me pareceu queimado e triste e tu disseste que afinal não tinha sido grande ideia querer ver o que sonhávamos ser o Nilo.
Em Florença tivemos uma insónia histórica,
e no Japão brincámos como crianças sob as amendoeiras em flor.
Se tu disseres que sim eu sei que fomos exactamente assim.
(poema de Alphonse S.)
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Poderia deixar apenas ” ARTE SÔ. De tal modo me tocou a exposição que me pareceu tonto acrescentar palavras. Mas não resisto. Quem possa ir ao Restelo, ver esta exposição não perca. Infelizmente a imagem facultada pelo Museu corta o enquadramento, todas as histórias esculpidas vivem de um enquadramento que é de uma beleza e integridade que acho que faz o todo que andamos à procura. Uma felicidade estranha ao mundo das artes, por ser exactamente. E ao ser assim, encontra a dificuldade de se catalogar e arrumar.
Não existe lugar para um arrumo, nem deveriamos deixar que existisse, para tão extraordinário trabalho. Ele pode não ser sempre constante, mas isso não é exactamente perguntar? Ou pelo menos experimentar?
Está o Museu aberto aos sábados e domingos. E se vos acontecer o mesmo que senti, vale o esforço.
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Nas nuvens não se rasuram palavras, as frases são atmosféricas e transformam-se. Não há permanência de forma.
As nuvens dizem a vida e eu acredito que escrevem o que está no início da chuva. Na incontornável dureza de ser delicado em cada gota.
Conter o princípio e precipitar o ir sendo,
porque ninguém sabe quando vai chover.
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Crianças a brincar com fisgas, atordoam-se, sem se perderem. “we got almost lost”.
É interessante como a alegria é sempre condicionada e circunstâncial; excesso de sol.
Interessante a coreografia da caça que me faz lembrar o filme Mouchette.
Bonito o tempo e a expressão dos corpos e de todo o paraíso natural,
mas habitado nos papéis sociais.
Ninguém está liberto. Nem a Sra. que prefere sonhar o domingo na cama.
A diferença maior é que amar não é só jogo de caça, onde o pardal exibe o peito para ser atingido pelo caçador que se acha mais sedutor do que seduzido.
Encontrar a dor pode ser o preço da vontade de descobrir o outro e o próprio.
Mas há mais do que papéis e protagonismo, este é apenas um tempo de começar. Amar é outra coisa que não se cinge ao desejo pueril. Nem os Senhores se apropriam, nem as Senhoras estão disponíveis.
Dar ao outro o que é mais do que rendição ou subjugação é possível, quando cessa a licença de caça e existe vontade de ser mais do que desejo na primeira pessoa
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Existe uma música que sempre esteve presente. Um lugar geogramático onde as palavras dizem profundamente o que nos escapa quando apenas respiramos. O som da grafite parece uma conversa apressada à medida que hesito ou avanço nas nas palavras escritas. O meu coração não se parte é inquebrável, o meu coração morre e renasce porque continua. Mas doi em cada parte que morre e tornou-se habitual doer e eu fico por enquanto viva. Verão de 2008, apanhei do chão um pardal pequeno, alimentei-o durante dois dias. Ontem parecia mais forte, hoje às 6 da manhã estava cheio de vida. A vida é vermelha e laranja, tem veios escuros e sobretudo canta a mesma música do ritmo de respirar que tudo o que existe vivo partilha. Mais uma vez, sem saber despedi-me da vida. Tive-o nas mãos que tenho quase sempre vazias. Ele aconchegou-se, entregou-se ao lugar quente e húmido que é outra caracteristica da vida. Mas também neste lugar de calor e água que cada um tem enquanto ser vivo, sabe-se que tem lugar a morte e que viver é quase a doença mortal por excelência. O pequeno pardal morreu sózinho, num pano às riscas, sob o calor de uma lâmpada. Antes, às 6 da manhã, ainda os dois vivos, trocámos pensamentos e eu admirei mais uma vez, esta presença extraordinária da força ritmada que nos dá a vida. Olhei e senti-lhe o corpo. Pensei tão dentro de mim que foi como um acto religioso em nome da vida e da morte. Hoje já não existe o pardal e eu ainda sobrevivi. Ainda não o enterrei, fá-lo-ei amanhã, domingo, talvez bem cedo quando a luz não doi nem queima porque assim era o seu corpo frágil, despido, atravessado da mesma matéria das minhas mãos. Hoje a minha mão direita tem a forma de um ninho vazio.
17.30 29 de dezembro de 2011
Em dias de Inverno, como este, de céu azul.
Atravessando a alameda de plátanos,
as árvores estão cheias de pássaros que enchem com convicção o ar.
E o nosso corpo existe calado entre o restolhar das folhas que se pisam ou empurram.
É certo que o som irrequieto, tolda-nos.
Não há acesso às nuvens, só à gravidade do chão.
O tempo existe porque o coração vive
e as árvores, inesperadamente cantam.