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Mina dura, cristalina
Montanha do eu antes de mim
Desce!
Trina a árvore,
Corta clara a luz no chão.
Já não espero.
-Vale geograficamente ser feliz?
Onde as flores de cores tão certas
Passam por tudo o que fiz?
Vale o desenho de geograficamente ser
O ter sido o que é agora?
Alva flor de cor tão certa
Mata-me a seda do vulgar.
Atempadamente a beleza é a oferta
Do que não me pertenceu.
Resta o fusco, toldo, trombo,
Tralha tímida.
Tristeza do que aprendi.
Volta a tratar: retrata
Limpa com a água usada,
Chá do chão por onde passei.
Na casa vão ficar os quartos minguantes
Sem passar a lua nova.
A minha terra é um observatório
E um lago de águas paradas.
Reconheço o reflexo dos ciclos
Mas não posso devolvê-los.
Aprendi que passatempos duram apenas por si.
Sou do tempo,
É em mim que ele torna visível a forma da sua existência.
Sou alimento que se come e é comido.
Acho as palavras que amo
Enquanto se segue
O veio afluente do rio.
Canta a água a liberdade
De seguir por entre as margens.
E tudo é motivo de paragem
E segue-se mesmo assim.
Salgando-se a água doce.
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Desde hoje até ao próximo sábado, na montra do Atelier Artes e Letras, a convite de Inez Caria, terei duas caixas de luz que espero conversem com este lugar tão especial. São dedicadas a dois “bonecos” que também se encontram presentes partilhando uma chávena que creio estar cheia da beberagem que aparece quando se dá vida a uma história. Quando anoitece elas irão fazer jus da sua essência, e acenderem-se.
Um urso e uma boneca, um apito-comboio que anima um fio, uma casa que já passou imagens dentro dela para se espreitar. Um sabichão com memória de elefante. Fantasmas para habitar, lembrando-me como se conjugam os verbos. Ser, estar, no gerúndio de existir.
Breve,muito breve. Sopro. Vindo de longe. Agora.
Rua dos Poiais de S. Bento,90
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O desenho é elástico, propriedade de ser assim em si mesmo. Porque concorre com a vida, vai com ela. Incha em agudos, desvanece com gravidade. Eu, eu ensaio, e tu? Eu escolho, apesar de alguém encontrar.Eu ensaio, existem múltiplas possibilidades. Uma será a escolhida.
Como nos amantes está presente a câmera de filmar. Dentro e fora. A repetição esperançosa.
Como acreditar no tempo contado.
Fixar, escrita do agora. Momento.
Performativo.
Música.
É mais importante a síntese.
Hei-de apurar a Vida.
Sincopar.
A jovem beleza.
O arco,
a Grécia.
Encenação,
fazer permanecer a passagem, o corpo máquina em tensão, aberto.
O centro, o equilíbrio, a figura geométrica. A eficácia da claridade,
ciência do amante dedicado, de cada vez.
Arqueologia como revelação, desencriptação do essencial. Possibilidade de sonhar o novo.
Acentuar a possibilidade de triunfar,sobre o escuro.
Ardósia que revela a linha que delimita o particular.
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Não sei porquê à porta da cozinha dois sapatinhos de criança, demasiado afastados, indicam a direcção da entrada. Quase paralelos. E que fazem aqui estes sapatos? Pois só pode ser um sonho. O truque para saber se de facto estou dentro de um sonho, aprendi-o há uns anos, nunca falha, é tentar falar. Quando a voz fica presa sem se articular, dificultosa e gutural, é porque caí num sonho.
Assim chega a imagem da mulher que perto do poço faz o vai e vem da corda, à força de braços, descendo até onde embate o balde de lado. Depois desce mais fundo e enche-se do escuro com nata de luz. Sobe, sobe, sobe e eis que fica luz dentro; luz liquida, luz de água que tomara se conserve pura, retirada do silêncio.
Os homens trabalham lá em baixo, no escuro, concentrados, muito indiferentes a tudo o que não seja a sua arte.
São mulheres destas que indo ao poço buscar água por vezes os encandeiam. Ficam estonteados e contrariados por terem sede. Eles vivem como mineiros. Elas andam na superfície com os pés na terra, bronzeadas pelo sol, molhadas pela chuva, com os olhos inquietos, irrequietos, tristes por vezes quando deixam que se lhes roube a luz. São raros os momentos em que os homens partilham com elas a luz. É o tempo de namoro. O mais vulgar é levarem-nas para a escuridão do conhecimento que os foca, o trabalho a que se dedicam.
A pouco e pouco elas deixam a luz e ficam intermitentes até não lhes servir a presença dos homens que deixam de lhes ver a luz que eles aos poucos apagaram.
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Mesmo que seja para ser possível escutarem-se a si próprios, dizem que na cidade os pardais cantam mais alto para se poderem ouvir uns aos outros.
Albertina tinha duas irmãs. O destino colocara-a entre as outras. Nunca soubera o que era ser a primeira, mas soubera o que era ser a mais recente na vida. Nunca pôde saber o que era ser a única, mas soube o que é deixar de ser a mais nova mal a Elzira nasceu. Embora se mantivesse o seu lugar na grande árvore genealógica, ensombrou-se com o galho imprevisto que aconteceu traiçoeiro. Fez disso aprendizagem para não encontrar certeza em nada. -Que desconfiada és Albertina!- Olha que quem é desconfiado não é certo. Talvez. Talvez sim, talvez não. Nunca se sabe as voltas que a vida dá e temos que ter os olhos abertos à defesa do que provem do lugar onde tudo começa.
Albertina aprendeu muito depressa os números e assim como sabia somar também subtraía com igual repente. Já dividir era mais difícil mas também é compreensível e multiplicar é coisa de empresa milagreira. Com o custo que se sabe.
Albertina voltou a ser a mais nova das irmãs no dia em que Elzira morreu. A conta apresentava-se certa 3-1=2. O galho mantinha-se no desenho histórico, mas não no organograma da função dos vivos.
Embora enquanto agonizava em febre, Elzira mantivesse a multiplicação de elogios, nunca deixou em vida de ser a mais recente das irmãs.Todos se ensurdeciam da fé que lembra as flores que morrem apesar de mil cuidados. Só Albertina sentia culpa. E de facto a irmã morria segundo o desejo que sentira mal ela nascera. Mas reconhecia-lhe a capacidade de agradar no gesto mais simples, como quando chorava ao ver o que parecia não existir antes de ela o apontar.
Ao morrer coube o momento a Albertina estar por perto de Elvira. A outra na cama absorvida na almofada, febre alta, convulsões azuis, veias, medo de olhos a rodar. Água por favor. Depois já sem pedir nada e a só querer falar muito. Dizer o que se tinha passado, o que gostara mais e menos, tudo em seguida. Segurar a mão que por ali estivesse e ser de igual modo para todos, sangue igual da mesma sorte diz a leitura de se estar vivo.
Nessa tarde em que a mãe descansava de não ter dormido de noite e o pai fora para onde costumava ir sem se lhe perguntar, Elvira de olhos brilhantes, a adivinhar o contrário, quis sussurrar a Albertina, umas que seriam as suas últimas palavras. Albertina aproximou-se cuidadosa, com algum nojo de contágio e piedade impossível. Balbuciou Elvira na voz encriptada dos que pousam entre os mundos. Mais para dentro que para fora. Uma frase muito curta.
Albertina pediu que repetisse, pois não tinha conseguido ouvir as palavras que em esforço a irmã dizia com o corpo todo na boca a resvalar. Mas dela não se ouviu mais nada.
A seguir, ou durante o momento entre as coisas, morreu. Sem convulsões, sem estrebuchar, sem luzes a entrarem no quarto para lhe transportarem a alma.
A mão dada descolou-se para o lugar dos vivos. Ouviu-se um silêncio sem choro. Depois olhou sem conseguir, com os olhos rasos de vazio. Insistiu e estranhou o corpo, a indiferença de estar viva.
-Acho que ela me pedia desculpa, ou me desculpava a mim- E assim ficou Albertina a repetir-se, sentada ao lado da morta..
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Enquanto nascia Maribel morria a sua mãe, levando assim consigo o que se sabia do pai.
Os mais gaiatos e os que não sabem de outra maneira, diziam que a Dona Mariazinha tinha morrido de susto. E olhavam de lado, confiantes de terem graça, sem darem conta da sombra das árvores, fresca e séria, de onde se lhes fitava o até que ponto é que se brinca com a morte.
Ora uma criatura de Deus, mesmo que feita à imagem do desastre, existe e é preciso ter piedade. Foi assim a menina criada para servir. E não fosse só o aspecto causa suficiente para a tornar diferente, coube-lhe um desmiolamento descarado que a trazia feliz todos os dias.
Antes assim-diziam as mulheres-Não sabe que aberração é. Diziam aliviadas de não serem como ela, por poderem exercer a bondade envenenada com que se matam as mulheres tristes.
As mulheres tinham acordado entre elas condenar Maribel a ser a mais feia e tonta. Todas saíriam em vantagem quando comparadas com ela.
Aos homens não foi pedido que participassem nesta avaliação. Eles, mesmo que evitassem olhar para Maribel, sentiam uma constante repugnância curiosa, aquele incómodo inquietante dos dias de Verão desocupados.
Mas se fossem consultados pontualmente, confirmavam a extrema feiúra de Maribel, a contrastar com a inequívoca beleza das mulheres e em particular acrescentariam a da sua consorte, fosse esse o caso.
-Se tens que o fazer, fá-lo bem feito!-dizia o velho que já não fazia mas havia feito.
À medida que ìa crescendo, acentuava-se no seu corpo a tendência de contrariar o que fora convencionado ser belo. As vozes piedosas abanavam a cabeça, sussurrando-coitadinha-, logo que a viam passar, muito feia e sorridente, a olhar para o que está atrás das coisas construídas. Um sorriso largo com gengivas e saliva aos cantos. E uma predisposição para o bem que preocupava o Sr Padre e todas as senhoras igualmente de bem, que bem ou mal, sabem um pouco de tudo e se regem pelos costumes onde penduram a roupa suja dos outros.
Maribel apreciava a luz. Por entre as folhagens, a tremeluzir na água, em pequenos brilhos espalhados no chão de pedra, nos vidros e no vitral colorido da casa do Conde del Bosque.
É certo que quando Maribel começou a limpar a casa do Sr Conde todas as quartas-feiras parecia ter encontrado um propósito consensual. E essa trégua de silêncio foi apenas tempo cumulativo onde germinava o que viria a seguir.
Bem visto, o casarão era grande e mesmo com toda a entrega de um dia inteiro a varrer o pó e a esfregar o chão, pareceu ao Conde que descobria agora o quanto necessitava de viver num ambiente limpo, pouco tempo. Assim Maribel passou a ir segunda, quarta e sexta-feira. Quanto mais limpa a casa ficava, mais sujas as conversas de quem se punha a adivinhar o que se passava dentro do casarão.
A pouca vergonha do Paraíso era intolerável. E o mau exemplo para os jovens e afinal quando é que o Padre vai falar com o Conde.
Não sei o que se passava dentro de casa. De facto Maribel apareceu com um vestido novo, foi vista com um lindo lenço de seda que pertencera à Condessa, continuava a sorrir e já indo isto tudo em ano e meio, nada de engravidar.
Quando Maribel se mudou para a casa do Conde del Bosque ninguém estranhou. No saco pequeno onde juntou o que tinha, ìa uma caixa com pedrinhas, daquelas que brilham com a luz. Mais tarde o Conde disse-lhe que eram pedras preciosas.
Mas dizem que tudo isto aconteceu porque o Conde via muito mal.
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(OU VI O TESOURO, a expor na Galeria Monumental de 9 de Abril a 14 de Maio)
Ossadas elegantes, arquitectura tumular, morada de almas anónimas temporariamente confinadas num lugar. Repetindo o verbo, pois estar vivo é movimento. A casa/corpo é capaz de se copiar a si gastando o mínimo de energia. Tem alarme e um exército, não tão bem vestido quanto o do vaticano, é discutível… mas igualmente eficaz, por isso adoecemos tantas vezes. Se não se nasceu já doente.
Território a conquistar, conquistado pelo discurso, zona franca. Vontade transfronteiriça de voltar ao anterior. Desinteresse pelos riscos, depois de riscados, com que uns muito parecidos connosco, capazes de igualmente gesticular ideias, desenharam a separação do chão. Talhão, horta, altura jazente de um corpo, encaixotar.
Perpetua o artesão, repete o gesto. As perguntas que vai fazendo descansam na impossibilidade de particularizar. Guardião do gesto, honestidade que não quer ser posta à prova, para além da sobrevivência. Sabedoria não transgressora, que funciona sem a arrogância de querer saber como o faz.
Arte, criatividade. Recreio de doenças belas, desejos expostos, segredos escondidos mais fundo. Lembretes do que não é preciso fazer. Ilusão melhor do que a que se fez com o dinheiro. Menos consensual, mas igualmente abstracta. Exercício de estilo que combina os pares, juntando o que não se quer mutuamente, obrigando a dobrar. Nada natural, desvio obsessivo, de colecção de relíquias, pequenas lágrimas de oiro, em lamelas a que se empresta o uso da transparência. Justificação do pensamento, demostração da inutilidade das ferramentas logo após as utilizar. Capacidade de fazer fumo sem fogo, porque é por o evocar que talvez se apresente, embora possa parecer representar não estando ele de corpo presente.
Fazer do corpo instrumento, osso oco, harpa eólica, aberto ao que o tocar. Mapas de andar à procura do que se nega ao início, ser sem assinar, ser assinado pela vida. Gostar de ouvir o eco, porque voltou. Afinal reconhecer.
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As palavras têm vindo a tomar significado ao longo da minha vida.
Significado é reconhecer o corpo da palavra no meu corpo. É viver a palavra, representá-la. Ser a palavra.
A impermanência, já sabia dela. Incómodo a chegar à dor, cadência do inevitável que renova, condicionado pela construção racional apaixonada cegamente pela certeza dos números.
Contagem do tempo que agora tenho fixa paradoxalmente em mim própria num alvo.
Ela aproveita o alimento que eu sou enquanto vivo a minha impermanência.
Temporariamente factual.
Dizem fórmulas matemáticas o que sabíamos. Lentamente as circunferências concêntricas aparentam o imutável.
O significado muda, cala-se profundamente e assim pode permanecer.
Ruminar como os muros mais antigos, arredondados, afundados na terra donde saiu a matéria que os construiu.
E de repente reparas que nasceu uma haste verde, no lugar onde te dizem morreu uma flor.
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Ajuizar poderia ser ir com um grupo de juízes avistar o mar. Ou arejar o jus sem prévia justificação.
Ajuizar poderia ser um ponto de costura muito apertado, usado em golas e em punhos e nalgumas sedas que nos sabem prender a jugular.
Ajuizar poderia ser um jogo de azar, zarpar na barca bela do pescador.
E finalmente conseguir justificar, ter-me deixado ser a presa.
– Para onde vão os pensamento que desaparecem mesmo agora depois de eu os perder?
Vão decerto encontrar uma luva ou lenço, um chapéu ou uma ideia. Alguém os encontrará. Só espero que lhes assente, julgo que sim. Assim, o que foi perdido agora, outro dele poderá tirar proveito.
– Não me parece divergir do que queria dizer acerca de um ano novo. É Janeiro, pode rimar com Fevereiro. Daqui a pouco estamos lá.
Quando se perde um documento, pode-se andar assim. Poderá haver desculpa.
– Donde escrevo há neve e madeiras em que nos sentamos e chamamos trenós. E afinal o que quero dizer? Que invento a neve para deslizar e que a tristeza foi quem melhor me construiu a possibilidade de me deixar ir. Assim maravilhosamente desço sobre o branco capaz de se exaltar numa avalanche. Muito boa noite dizem as corujas da torre, sim boa noite respondo eu. Não sou um rato, ou serei? Que excelente educação temos!
Mas não é isso que queres dizer. Queres relembrar que as sementes estão prestes a acordar entre si a Primavera, e que escavaste com unhas sujas 3 lugares para flores que hão-de vir se tudo correr bem. O Inverno é também isto, estar à espera, e os cigarros serão sempre a tua vontade de desfazer a harmonia. Não sabes melhor?
– Então se tu sabes que plantei as flores que se tudo correr bem na Primavera hão-de ser?
Pois, embora nunca chegue o que consigas fazer, chega sempre o que acontece.