Maria João Worm


Acerca do filme POESIA e de uma história de um pintor/poeta chinês
19 Abril 2011, 11:21 am
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"Em Wuxing as colinas são como conchas azuis, a seus pés crescem pequenos rebentos de árvores, densos como a pelagem de um búfalo." Jing Nong, albúm de paisagem e personagens.

Acho que este post está a ser escrito porque hoje sonhei, o que há muito tempo não me acontecia. Pois lá estava eu de novo na escola, a fazer um exame, num anfiteatro cheio de alunos e eu não sabia nada da matéria que saía no teste. A grande novidade é que o professor saía da sala e todos consultavam cábulas e livros e eu nem saberia que livros consultar. Apenas li uma pergunta que não consigo recordar-me textualmente mas que era sobre o significado, penso que simbólico,  da palavra árvore, numa cultura de um povo que me soava familiar mas que eu não sabia situar. De resto não li mais nenhuma pergunta do enunciado e acabei por me dirigir ao professor e entregar o teste em branco. Isso é recorrente no meu sonho, a diferença é que lhe apertei a mão como se o cumprimentasse com segurança e a mão dele era mole e fugidia, como muitas vezes sucede em apertos de mão desiguais.

Apesar de ter gostado muito do filme Poesia. E de a presença da actriz principal ser de uma extrema beleza, senti que algo me parecia estranho. Pensei como seria o filme se a actriz, independentemente de ser uma boa actriz, fugisse à estética da beleza reconhecível, fosse desdentada, enrugada, flácida, corcunda. Deveria contudo manter o seu aprumo, no desejo de se vestir acima das suas posses reais, surpreender-nos na sua vaidade e no desejo de saber mais.  Há de facto uma dificuldade nos registos visuais, que me faz tropeçar e que me atrapalha a relação entre a forma e o conteúdo. Menos bela a actriz talvez se tornasse mais claro o desejo dela  encontrar na poesia a beleza. E talvez ficasse mais presente a construção do poema final. A  coesão de diferentes materiais que entre eles acabam por se se entender ou  suportar enquanto conteúdo e estrutura. Como se fosse betão e vidro a encontrarem-se na construção de um prédio. Porque um poema não deixa de ser uma construção, arquitectada para se poder ou não viver lá dentro mas é sem dúvida uma casa que por vezes até abate árvores para se poder construir. E tudo isto implantado num lugar geograficamente presente, vivido com coordenadas precisas.

Quanto à história do  pintor/poeta chinês, vou tentar resumi-la. O poeta tem por nome Jin Nong viveu no séc. XVIII. A particularidade deste poeta é que frequentava círculos diferentes, ou seja fazia da sua arte a sua vida ( vendia o seu trabalho) e ao mesmo tempo frequentava grupos de intelectuais. Vender o trabalho seria o mais baixo escalão para pintor, pois era fazer disso profissão e sustento o que obrigava a obedecer a encomendas e cópias de outros pintores famosos. Ora o que é inovador para a época é que ele prezasse a sua independência e como precisava de vender trabalho para subsistir (não pertencendo à classe superior dos que não precisavam de ser remunerados) ele via no seu processo um meio que não o desonrava mas que lhe permitia nalguns trabalhos poder ser ele próprio.

Conta-se que numa destas reuniões de letrados, que não compravam pintura mas recebiam nas suas casas os pintores para trocarem impressões, ele ter-se-à feito acompanhar por um mercador inculto, para participar num jogo poético que era costume nestas reuniões de elite.

Aos convidados era pedido que  recitassem poemas antigos e neste caso teriam de ser poemas em que aparecessem as palavras “voar” e “vermelho”. Após grande reflexão o mercador encontrou uma frase” As flores dos salgueiros voam, daqui dali vermelhas.” A assembleia reunida desatou a rir troçando da invenção da frase. Apenas o pintor Jin socorreu em seu auxilio dizendo que se tratava de parte de um poema antigo e que a citação era completamente apropriada. Em seguida recitou o poema completo que terminava com a frase do mercador.

Todos se inclinaram perante um tal génio, embora de facto o poema tenha sido inventado e improvisado pelo pintor para tirar o mercador de tal embaraço e chacota.

No dia seguinte o mercador agradecido, deu-lhe mil moedas de ouro.

O facto de se aprender ou não fez-me lembrar a importância da erudição, ou do conhecimento da parte do que nos vai sendo dado a conhecer e que se transforma em referências e quanto mais abrangentes forem as coincidências mais lhes chamamos cultura. Aquilo que se partilha por estarmos avisados do estilo e com a dita educação.