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Bertha a ler, 1930, colagem, 23 x28,5, Joséf Papirousa
Esta entrevista ao espelho, foi feita na altura da exposição(2006), pensei então inclui-la no livro mas acabei por a deixar de fora. Agora penso que pode ser um meio de dar a conhecer mais concisamente o que representou este trabalho.
WJM(entrevistador)
MJW(entrevistado)
WJM- Na introdução do livro, Colecção Particular de A, existe um processo de personificação da Colecção. Ela é apresentada enquanto um corpo.
MJW- Todos sabemos o que é um corpo, apesar de vivermos a experiência diferente de ser um deles. É este aspecto suficientemente vago e ao mesmo tempo reconhecível que pretendo. Este é o lugar ideal para uma história. Tal como nas fábulas, já que falou em personificação, procuro fugir do tempo a que habitualmente estamos presos, para um tempo que se define narrando-se, pela acção.
WJM- Mas o corpo é considerado por si, morto.
MJW- A morte aqui serve para definir a relação que tenho com a colecção. Talvez tivesse sido mais exacto dizer que não lhe reconheci vida. Esta morte não decompõe este corpo porque ele não é orgânico. Chamo-lhe particular, por ser responsável pelo modo como o aglotinei, por o ter comigo mas também por ele ser inorgânico. Ou mais correctamente por não ter o sopro de vida, a acção. Também pode ser visto como um corpo morto, um atrapalho, porque também é isso.
WJM-Essa ideia de um corpo construído por colagem de partes, provenientes supostamente de outros corpos, parece um pouco a criação do Frankenstein.
MJW-Penso que o que me interessou se prende com os limites da autoria e com a definição de individualidade. O processo de conhecer é experiência directa e pessoal mas também pedaços de conhecimento que outros experimentaram e que se transformaram em bens comuns, adquiridos. O nosso próprio corpo é constituído por heranças genéticas, pedaços de outros que nos definem em forma e potencialidade. Se pensarmos que nos alimentamos de vida, desde a couve à água, ou mais longinquamente da terra, que já foi corpo do pardal ou do Sr. que não chegámos a conhecer mas que nos alimenta, dificilmente nos individuamos. Em limite, somos todos monstros simpáticos, de autoria vaga. Apenas a acção nos parece pertencer. Talvez que por isso tenhamos esta tendência para o acto criador. Manipulamos o que existe e apenas o gesto nos pertence. Depois os gestos têm consequências, somos responsáveis. Mas será legitimo dizermos que o que concretizamos com o gesto é nosso.
WJM-Parto então do princípio que embora responsável pela colecção, põe em causa a legitimidade de ela lhe pertencer e portanto a ideia é dar a conhecer, torná-la pública. Gostaria que clarificasse, se possivel, o que pensa acerca de uma sala de exposições “normal”.
MJW-Existem trabalhos que têm como finalidade essa celebração. Acredito que uma exposição assim, poderá ser entendida como uma experiência em simultâneo. Presença fisica, num determinado tempo e lugar, das obras de arte e de quem as assiste. No meu caso, nesta exposição, eu não quero o limite do tempo.
WJM-Mas refere-se à “exposição em decomposição”, como o lugar em que habitualmente se trincha o corpo em pedaços vendáveis. Qual é a sua relação com a venda do que chama pedaços?
MJW-Talvez deva dizer primeiro que me reporto sempre à ideia de corpo. Ou seja, eu acredito que existem exposições que formam um corpo e que não deveriam ser vendidas a retalho. Depois existem outras exposições compostas por peças autónomas que circunstancialmente se juntam na exposição. Neste caso não existe desmenbramento, porque nunca existiu um corpo. Quanto ao aspecto de venda, já sem o problema de ser ou não ser a retalho, surgem outros problemas.Como escreveu Wundart (um dos artistas da Colecção), no seu caderno Exercícios para comunicar: “O trabalho é o gesto ou o produto final? Não consigo encontrar resposta. Mas gostaria de ser pago pelo gesto e não pelo produto; então o produto seria riqueza, bem comum”
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